DEIXEMOS DE SER MERCADORIA!


DEIXEMOS DE SER MERCADORIA!


Do mercado inumano postos fora
Na produção mercantil não cabemos
Porque a força que dantes lhe vendemos
Mais ninguém precisa dela agora
A antiga escravatura foi-se embora
Para dar lugar à que hoje temos

Eis aqui a prova transparente
Do Homem impotente e escravizado
Quer seja no presente ou no passado
Sujeito à produção ou dela ausente
E será, sem remédio, escravo sempre
Enquanto houver Sistema de mercado

A diferença da actual escravatura
É que o escravo antigo era forçado
A puxar como o boi puxa o arado
E a rasgar o coração da terra dura
E hoje, qual velha viatura
É atirado à lixeira e desprezado

Desfez-se a palavra e a promessa
Da fartura repetida desde outrora
Um pontapé no traseiro e vai-te embora
Só a máquina agora nos interessa
Democraticamente a lei é essa
Quem menos produzir é posto fora!

Na escravatura antiga espoliado
Na actual lazarento e mísero cão
Expulso a pontapé da produção
Como qualquer outro cão abandonado
Nenhuma solução visa o esfaimado
Nem tem, além do lucro, outra função

Não busques o escravista… não te iludas!
Ho! Servo da nova geração!
Já não terá mais dono, mais patrão
O trabalho já não quer tuas mãos rudas…
Muda o teu pensar que se o não mudas
O Sistema já abriu o teu cai caixão  

Trocado pela máquina, és hoje um vagabundo
Nome dos escravos da modernidade
Tens para morrer a liberdade
Que nunca p‘ra viver te deu o mundo
E o dinheiro cada vez cava mais fundo
O Inferno que te deu a antiguidade

Na sociedade moderna vos direi
Que sempre fomos vã mercadoria
E o dinheiro fetiche- mor suprema harpia
Cada dia mais nos fere com dura lei
Outra via nunca vi de quantas sei
Que tenha fora desta a primazia

Aqui a produção apenas cresce
À sombra da mísera desventura
Enquanto a mão escrava a assegura
E a força  da besta a fortalece
E quando a rendosa máquina aparece
Só muda modo e nome à escravatura

Quando o dinheiro mais que tudo é nosso algoz
E o trabalho morreu, não gritem mais
Ninguém ouve a voz que vós gritais
Porque só o dinheiro aqui tem voz
Conforme o seu sistema nos impôs
Sem o maná das lendas ancestrais

Mas dentro do dinheiro ainda posso
Perguntar à vossa mente insana
O que desta Sociedade ainda emana
Que se possa dizer de interesse nosso?
Talvez em Rodes pôr novo Colosso
O Colosso Industrial da miséria humana

Pode vir longe ou não o que vos digo
Mas é impreterível o Homem ver
Que o DINHEIRO o fará desaparecer
Se não varrer da mente este inimigo
«Abstracção real» onde o castigo
É escolher o abismo ou não escolher!

Leonel Santos
Lisboa, Outubro 2012

O GRITO




O GRITO

                                                Chega-mos ao fim duma aspérrima estrada
Para além da qual está a Vida, ou está o nada
Mas ainda a Vida nos estende a mão
Veremos se o Homem aceita o seu gesto ou não
Nesta trajectória finita, contudo vejo
Ainda uma porta aberta ao meu desejo…
Depois que a produção crescente nos trocou
Pelas modernas máquinas que a ciência inventou
Nós «máquina humana» passaríamos desde então
A dar um passo em frente na Civilização
Mas desde logo se viu que tal ideia não fruía
Já que a produção, sem o trabalho humano não valia
E ainda ao lendário «Progresso» da Humanidade
 Ouvi gritar também: «Eu não sou a Verdade!»
Da beira dum abismo de escarpada elevação
Um eco dúbio e derradeiro de abstracção
«A máquina ocupou de vez o trabalho humano!
Repetiu ainda o «Progresso». «Não há nenhum engano!»
«E ela ocupará para sempre o lugar vosso
«A sociedade do valor submergiu, garantir-vos posso
«E o vosso fetiche inútil e vão medianeiro
 «Esse deus todo poderoso a que chamais dinheiro
Continuará o inimigo mor da vossa vida dia a dia
«Porque nem ele nem vós, nenhum terá valia
«Ele sem vossa produção, é inútil, nada vale
«E vós sem ele ireis morrer do mesmo mal
«Enquanto os dois coexistirem lado a lado
«Nem um nem outro mais será valorizado
«Eis o fim da vossa estrada economicamente
«O abismo da produção é um monstro à vossa frente
«Qual espada de Dámocles que pendente os ameaça
« Com a morte, com a fome e, a pobreza em massa
«Forçoso é usar da mente a total capacidade
«Só gritar pelas ruas tem justeza, mas frágil validade
«Nunca tão precisos foram vossos dotes racionais
«Produção e valor, em vossas leis, não combinam mais
Tempo houve sim… um tempo bem diferente
Que dinheiro, trabalho e homem, num mundo incipiente
Lado a lado se agruparam em forçada conjunção
Berço da frustrada e actual abstracção!
 Hoje na sociedade dissociativa e do valor
Quando a máquina quer aumentar o seu labor
Homem e máquina…ambos se impedem lado a lado
 Um porque não tem dinheiro, outro não tem mercado
E o sistema estultamente redobrou seu coxear
Quando mais pernas tem para poder andar…
Se algo mais absurdo e mesquinho o mundo tem
Bem gostava de o saber. Sábios, digam-me quem?
Ninguém quer, por certo, a máquina excluir
   Quando ela feita foi para nos servir
O que não deixa de ser deveras singular
É que elas apodreçam, por aí, em qualquer lugar
E nós sem dinheiro para move-las
 Apodreça-mos como Job* ao lado delas…
 Pois se o fruto da produção com outro produtor
Que humano não seja não pode ter valor…
Façamos que as leis do dinheiro sejam finadas
Para podermos caminhar por novas estradas
E acharmos a porta que a ciência nos oferece
Que o tempo mais antigo, logicamente não conhece…
Se hoje o empresário do trabalho nos afasta
 Por ter maquinaria lesta, competente e vasta
Engenhos e robótica de cunho superior
Que por nós podem fazer tudo o que preciso for…
Justo é que assim seja, e o descanso, tarde embora
Venha trazer-nos o direito de repousar agora…
O caso é que a escravatura com roupagem diferente
 Continua, como dantes, a perseguir-nos sempre  
Essa antiga, medonha e execrável figura…
Que só com o trabalho morto a vida nos segura
Enquanto a tecnologia pouco a pouco desfalece
Porque o valor sem a nossa mão não aparece
E a humanidade em grandes quantidades
É forçada a morrer faminta nas ruas deletérias das cidades
Ou o nosso engenho subtil terá de conseguir transpor
 As grades dissociativas e férreas do sistema do valor
Ou a lama dissociável e fetichista do dinheiro
 Um dia será… o nosso  último coveiro!


*Mito bíblico

Leonel Santos
Lisboa, Setembro 2012

OS ESCRAVOS DO DINHEIRO I I



OS ESCRAVOS DO DINHEIRO II

Parem as máquinas, os tractores, as segadeiras
Toda a tecnologia, a mais recente
Arranquem com as mãos, as pedras, do fundo das pedreiras
E vai haver trabalho pr’a toda a gente
Desapareçam os cilindros e as britadeiras
Regresse enxada e ancinho novamente

Enferrujem os comboios, os carris, o avião
Apodreçam e desfaçam-se em sucata
Tragam de novo a carroça e o carro de mão
Comprem um burro ou toca a andar à pata
Calça de surrobeco bota-de-elástico ou cordovão*
Lume feito a lenha, que fica mais barata

Voltem a acender velas de cera e estearina
Candeeiros a petróleo, archotes ou azeite
Comprem uma carroça, poupem gasolina
E uma cabrinha dá-lhes sempre, carne e leite
Comam saramagos frescos da campina
E o caracol dos campos se aproveite

Podem ainda comprar um borrego ou um leitão
Vender ovos, comprar patos e galinhas
Comer beldroegas com algum feijão
Azedas e urtigas e fazer sopinhas
Chama-se a isto «Civilização»
Segundo políticos e padres nas suas ladainhas

Fanáticos do trabalho parem de gritar!
O trabalho já não vem depois de morto
As máquinas vieram para mostrar
Que tudo dantes era inda mais torto…
Que o Homem nunca teve pr’a’judar
Tanto tempo como agora o desgraçado corpo

Vede as máquinas que fazem numa hora
O que o Homem em doze horas não faria
E melhor cem vezes do que outrora
Quando media o martelo a energia
E quando o comboio a lenha, campos fora
Fumava muito mais que se movia

Agora só com um disco em rotação
Se corta o ferro, a pedra e a madeira
Tão depressa quanto se corta o próprio pão
Com um simples canivete de algibeira
E enquanto se derruba cinco ou seis árvores à mão
Se destrói com a motosserra a selva inteira

A escavadora é hoje uma arma de guerra
Que cinquenta de nós ou mais não venceremos
Derribando a vertente rochosa duma serra
Com os nossos esforços mais supremos...
Se nunca em tempo algum houve na terra
Mais condições pr’a viver do que hoje temos

Que sentido nos faz correr para o abismo
Curvados ao dinheiro que rebuscamos
Esse deus sacrossanto do capitalismo?
Sim… que sentido há quando legamos
A nossa humana espécie ao abstraccionismo
O que é esse amanhã que procuramos?

Escravos do passado em busca do dinheiro
Escravos do dinheiro porque o não temos
Escravos dispersos pelo mundo inteiro
Bastardos dum mundo que nunca tivemos
Sem máquinas tivemos palha e um palheiro
Com máquinas, nem palheiro nem palha temos!

Com máquina ou sem máquina igual missão
Só o nome se mudou à escravatura
Socialmente sepultou-se a evolução
Como experiencia velha ensina e jura
Quantos tombaram no seio da escravidão
Quantos tombam hoje à sua procura?


Mova-se a enxada, a picareta, o alvião
Aprenda-se a doutor ou engenheiro
Defina-se a partícula incerta do Bosão
 Fora da Sociedade letífera do Dinheiro
Porque se lhe não fugimos a nossa solução
É morrer como o anho nas mãos do carniceiro!


Leonel Santos
Lisboa, Julho 2012
*Botas de pele de cabra