O Triunfo dos Loucos

O Triunfo dos Loucos

Se o Valor fraqueja e não se levanta
Cesse tudo o que a moderna ilusão canta


Jamais o Homem foi tão humilhado
Tão miserável, infeliz, tão desprezível
Quando tudo ou quase tudo lhe é possível…
Quando por sábio é tido e avançado
Cada dia é mais pobre e desgraçado
No seio dum mundo cego e insofrível!

Depois de muita labuta p’ra que a Vida
Mais leve lhe fosse e não pesada
Vê no amargo fim desta jornada
Com a Tecnologia engrandecida
Que tem igual miséria à dantes tida
E é o mesmo escravo, o mesmo nada

Onde está sua alta majestade
No mundo «rico» do tecnicismo
Se a luz não penetra o negro abismo
Da sua imaginária sociedade
E a fome que o calcou na antiguidade
O acossa no moderno Iluminismo

Que mundo é o teu ó Homem louco
Porque rumas tal o cordeiro ao vil cutelo
De loucura em loucura, de flagelo em flagelo
Para o teu castelo doirado, um castelo oco
Cujo futuro abstracto, desaba a pouco e pouco
Um futuro imaginário de polichinelo

Com o abismo à tua frente porque avanças
Por entre cegas leis e duros prantos
Onde estão o teu deus e os teus santos
Se no funesto abismo assim te lanças
E reptas sem futuro e sem esperanças
Mísero padecedor de males tantos

Não vês à tua volta os brutos seres
Como vivem descuidados e serenos
Desde os maiores aos mais pequenos
Lhe deu a Natureza seus saberes
Logo vêem seu caminho e tu sem veres
Lutas com fantasmas, mais nem menos

Criastes o Dinheiro teu deus supremo
«Real abstracção» omnipotente
Que apagou o teu Valor de gente…
Um deus que é teu deus e é teu demo
E te levou ao mal mais extremo
A que pode chegar qualquer vivente

Foi o teu dinheiro com mil enganos
Quem matou teu trabalho à mesma hora
Que a Ciência nasceu e, pôs-te fora
Por já não precisar de meios humanos
E tu mísero escravo de há mil anos
Nem escravo consegues ser agora

És escravo sim, de espécie diferente
Escravo que a escravatura repeliu
Escravo que dantes não se viu
Escravo no passado e no presente
Escravo de hoje, de amanhã e sempre
Escravo que o Sistema do Dinheiro pariu

Tu és ó Homem, o exclusivo produtor
Do Valor que se gera sobre a Terra
Porque hás-de ser tu, o ser que encerra
Entre todos os seres Valor menor
Isto não é presumir, não é supor
E se o supõe alguém, saiba que erra

Come o cão sem Dinheiro, come e faz
O que tu não podes sem dinheiro fazer
O cão come carne sem O ter
Mas tu sem O teres não comerás
O cão é pacifista e vive em paz
Tu matas-te a ti próprio e queres viver

Teu Valor está no que tens, não no que és
Logo está no teu Dinheiro que não em ti
No Sistema do dinheiro que reina aqui    
O Homem nada vale de lés a lés
E vai-se arrastando aos falsos pés
Desse Dinheiro-deus que manda em si

A sua inteligência é condenada
Na hora em que nasce e imergida
Em total estupidez empedernida
Com que a sua Vida é coroada
Onde o Dinheiro é tudo e ele nada
Ante a «abstracção real» com que lida

Será esse Dinheiro a sua morte
Se não se afastar desse inimigo
Seja Job ou Creso, ou Midas, digo
Nenhum se livrará da mesma sorte
Porque tal deus-dinheiro tido por forte
Tem a fraqueza vã dum deus antigo

Onde vais Homem louco, porque corres
Não vês como tudo é transparente?
Se não vês o mundo em tua mente
É porque cego és e não discorres
Que quanto mais correres mais cedo morres
Dentro do teu Sistema decadente

Não vês que não há Crise, há Decadência
As crises são feridas do passado
Decadência é um Sistema caducado
Pelo deus-dinheiro na sua essência
Meio de troca na nossa existência
Nunca criou Valor em nenhum lado

A Ciência nasceu Libertação
E é filha do Trabalho a quem matou
Mas logo o Dinheiro ‘acorrentou
Para desempenhar sua função
E com ou sem Trabalho a escravidão
Do Homem pelo Homem aqui ficou

No seio da sociedade do Dinheiro
Nunca podes fugir à escravatura
Com a miséria posta a toda a altura
Ou abraçe a Ciência o mundo inteiro
Pronta a produzir em grau primeiro
Montes e montanhas de fartura

Não vês ó Homem teu barco a fundear
Nas vagas do Lucro cego e mudo
Onde o dinheiro é nada…E tu que és tudo
Deixa de trocar por ele o teu lugar…
Não ouves já rugir o bravo mar
E o vento cada vez mais façanhudo?

Se queres manter viva a tua espécie
 Foge enquanto é tempo, à mortífera função
Do Dinheiro-deus, o profundo vulcão
Onde o teu Valor desaparece…
Porque se esse Deus cá permanece
Só o abismo inexorável, nos dará a mão!

LEONEL SANTOS
Abril 2014