DA DISSOCIAÇÃO


DA DISSOCIAÇÃO

Passou-se na velha Pérsia, hoje o Irão
Que um certo Zoroastro andou por lá
Dando ao mundo a explicação
Do que viu e deduziu e aqui está:
Sugeriu que a vida é competição
Duma divindade boa e doutra má

Mitras*-- explicou— é inimigo de Ahriman*
Como Ahriman do infinito Ormuzd*
É Mitras que produz a fulgência da manhã
Tal como Ormuzd supremo deus produz
Mas há perpétua luta fera e vã
De Ahriman que opõe a Treva à Luz

Odin*, o Pai de tudo, era o maior,
Imer* gigante, Pai do mal, o mais ruim,
A quem os filhos de Bor*, deus superior
Guerra lhe impuseram até seu fim
Levando o grão Gigante ao estertor…
Eis dos escandinavos o sacro folhetim!

Abel, o bom, foi morto por Caim
Consoante a lenda nos revela
Rómulo matou Remo pelejando assim
Em luta fratricida igual àquela
Porém os deuses bons vencem sempre ao fim
Mas a vitória da Vida ninguém sabe dela!

O sistema em que vivemos é loucura
Sofre de auto alergia permanente
A que remédio algum pode dar cura
Enquanto o Dinheiro estiver presente
E nos arraste sem pena à desventura
Tal Prometeu, no Cáucaso ardente*

A nossa Sociedade, nome conveniente
 Ao Dinheiro…que real a faz parecer…
Para que o seu valor, valor ausente
Sem nunca existir passe a valer
E impeça nosso abraço humanamente
Como a consciência diz que deve ser
*referencia aos vulcões do Cáucaso


Dissociados num sistema insocial
Forçados a caminhos indevidos
Seguimos um rumo irracional
Cada dia vivendo mais perdidos
Vamos forçosamente acabar mal
Sem conseguir jamais viver unidos!

Neste meio dissociativo só podemos
Ver interesses contrários e inconstantes
Na fetichista vida em que vivemos
Presos a mil acções sempre aberrantes
Onde firma a raiz dos seus extremos
O Dinheiro nosso deus, agora e dantes

Perguntem ao mundo se a corrupção
É causa ou efeito em nossa vida
E na resposta forense que nos dão
Posta à nossa frente de seguida:
É o efeito o réu, que a causa não …
Porque na lei do Dinheiro é ilidida!

Num sistema dissocial, instar porquê
Em chamar-lhe social teimosamente?
Onde de fome e miséria um mar se vê
Mas se a fome é social dizei-me ó gente
A fartura e a abastança são o quê?
Vivemos ou não dissociativamente!?

É isto a Sociedade me dizei!
Onde a fome quatro mata por segundo
É isto a Humanidade, é isto a Lei
É este o grande Coração do mundo…
É isto, fora tudo o que eu não sei…
Que é bem mais cruel e mais imundo!

A Natureza nos deu mente bastante
Para a nossa vida ser menos austera
E um mundo recriar mais abundante
Mas o Dinheiro miseranda quimera
Vai fazendo do Homem um Asevero errante
E um mutante mortal da nossa Esfera!
*Mitras, deus Sol dos persas
*Ahriman. deus persa do mal
*Ormuzd, deus persa da luz
*Odin, maior dos deuses escandinavos
*Imer, gigante mau dos escandinavos
*Bor, filho de Bure e pai de Odin
Leonel Santos
Lisboa, Junho 2013

HOMO SAPIENS SUBSPECIE MISERABILES III

HOMO SAPIENS SUBSPECIE MISERABILES III

Ó miseranda e pobre Humanidade!
No sistema do Dinheiro teu Fado está
Gravado a ferro ardente à insanidade
Que o próprio Mercado aqui nos dá
Chegamos ao cume da irracionalidade
 Somos Mercadoria que não serve já


Mercadoria só, abjecta e desprezada
No seio dum Mercado irracional
Somos humanos e não somos nada
Somos a vasa da lixeira industrial
Chegamos ao fim duma longa estrada
 Onde o abismo espreita o suspiro final   


Lá na pradaria ou no cerrado
 Segue a besta a via que aprendeu
Quando o saber não lhe foi dado
 E o Homem que tanto o recebeu
 Vive perdido na selva do Mercado
 Confuso, sem achar o rumo  seu!


Aqui, cada dia mais passado
A selva se aproxima mais de nós
Ou nós dela, que será mais acertado…
E funde-se nos ares com a nossa voz
 Um som pouco ou nada humanizado
Pressentimento dum amanhã feroz


O Dinheiro aqui manda mais que nós
Mais que “O Mostrengo lá do fim do mundo”
Que inquiriu com medonha e cava voz
“O Homem do leme e Leis de D. João II”…
Porque nunca ao Dinheiro algo se impôs
Nem papas, nem reis, foram mais fundo!


Enquanto o deus dinheiro reger a Terra
Não imaginem amores, nem flores, nem madrugada
Dentro desta abstracção que tudo encerra
“Abstracção real” e complicada…
Que só nos dá tristeza, fome e guerra
Presente sem futuro… futuro de nada!


O sonho do mundo acabou, não sonhem mais
Morreu o sonho do sistema em que vivemos
Só produzem valor os racionais
E se nada produzimos nada temos
No sistema do Valor, os animais
Valem mais que nós, sem o dinheiro valemos


Falem, gritem, se acham bem gritar
Não vos digo que se calem, se há razão
Mas não é no grito é no raciocinar
Que existe a chave da libertação
Se de produção tivemos de mudar
É forçoso mudarmos a repartição  


Sabemos que sem o Homem se faz pão
Porque a tecnologia o pode fabricar
Mas dentro do dinheiro põe-se a questão
Que sem ele o não podemos desfrutar
Lute a nossa mente com toda a razão
Que razão alguma nos pode libertar


Ó espanto! … Ó loucura de sistema!
Ó exemplo de louca barbaria
Onde não pode chegar nenhum poema
Nem poeta nenhum chegar podia
Não se pode articular nosso dilema
Dentro desta vivência de utopia!

Leonel Santos
Lisboa, Maio 2013