QUADRAS E QUADOS DA TRAGÉDIA HUMANA


QUADRAS E QUADOS DA TRAGÉDIA HUMANA
 
Perdestes teus olhos e ouvidos
Mas teu falar é cada vez mais lesto
Para que serve ó Sociedade o teu protesto
Quando não funcionam teus sentidos?
 
Não vês que os olhos teus estão perdidos
Foges à Vida e buscas cegamente
A morte que dança louca à tua frente
Como os mortos outrora, em rituais fingidos
 
Queres a Vida ó Sociedade? Muda a tua falsa via
A mãe Natureza nos deu mente bastante
Para uma vida justa, humana e triunfante
E vivermos sobre a Terra em harmonia
 
Deixa a tua rota morta, a tua fantasia
Deixa a abstracção da tua velha mente
Não vês que a tua vida é imagem aparente
Que não passas de vã mercadoria
 
Cada um vale o que tem…Não és ninguém…
Vale a produção gerada em teu labor
Vale o que usurpas a quem gerou valor
Mas tu, Humanidade, não vales um vintém
 
Porque nada vale aqui quem nada tem
Ó mísera Sociedade! Tu não consegues ver
Que dantes não comias por não ter
E hoje, que tudo existe, não comes também!
 
Perdestes olhos e ouvidos… Heráclito chorou!
Vendo a irracional via da loucura humana…
O dinheiro que nos amarra e nos engana
Foi quem te ensurdeceu e te cegou!
 
Se o Homem, escravo em tempo ido
Já não é forçado às galés de outrora…
Vê que, modernamente, foi lançado fora
E é lixo industrial dum mundo apodrecido
 
Pensa desditosa Sociedade, pensa a fundo!
Que gritar não chega para remir teu mal
Não penses no Dinheiro, “essa abstracção real”
Esse deus indiferente, que está regendo o mundo!
 
Silencioso sempre, insensível, infecundo
Só busca o seu interesse é sempre igual
Se a Morte vale mais que a Vida vale
Que lhe importa a dor dum vagabundo
 
Temos de ter presente esta Verdade:
O Dinheiro é a Morte simulada
É o tudo que é, meramente o nada
É a Vida a prazo da Humanidade!
 
Não lhe podemos fugir com brevidade
Reconheço esse nosso impedimento
Mas não podemos tirá-lo ao pensamento
 Largo seria o passo para fatalidade
 
O Dinheiro leva ao fim da nossa espécie
Se não invertemos o mundo em que vivemos…
Se pensamos ganhar quando perdemos
Ou pensamos subir quando se desce…
 
Porque buscamos o Bem, se o bem não cresce
Nesta Sociedade morta, dissociativa e vã
Onde não há futuro, nem alva, nem amanhã
Como há milhares de anos acontece!
 
Sem uma vivência nova arquitectada…
Temos de conceber formas racionais
Para que não prossiga a vida mais
  Neste automático deus aprisionada
 
Porque o Dinheiro é tudo e não é nada
A velha experimentação dizer-nos-ia:
Que temos e teremos, nesta alegoria
Sempre dum “ lado a parede e doutro a espada”

Se vivemos no Dinheiro é com o dinheiro
Que teremos de lidar queira-se ou não
Mas será seu processo de automatização
Se o Mundo lhe não fugir o seu coveiro!

 

Leonel Santos

Lisboa, Julho 2013

QUADRAS E QUADROS DUM SISTEMA ABSTRACTO


QUADRAS E QUADROS DUM SISTEMA ABSTRACTO

 

Ouço o Homem soltar palavras ocas

Não sei o que reside em seu pensar…

Que o paraíso ainda irá chegar

Conforme prometeram sábias bocas!

 

Palavras nada próprias, nada poucas

De propósito ou não eu ouço errar

Será que há esquivança de pensar

Ou andam por aí Erínias loucas?

 

O Trabalho morreu não volta mais

E chamar um morto é grito vão

Foi depois de esgotar sua função

Que faleceu de causas naturais

 

Todos nós aqui somos mortais

Para bons ou maus não há excepção

E o trabalho foi como os mais vão

Deixando ao Dinheiro danos fatais

 

O valor que o dinheiro mostrar tentou

Foi trabalho usurpado aos racionais

Mas morto o Trabalho ele jamais

Pode erguer o pendão que alevantou

 

Se o Homem gera Valor ou o gerou

A máquina faz, empilha e armazena

Mas valia não lhe dá grande ou pequena

Sem valorar o Homem que expulsou

 

A praxe do dinheiro está esgotada

Pelo seu próprio sistema irracional

E se a produção do Homem já não vale

A máquina sem Ele, é também nada

 

Ó espécie-vergonha, infortunada

Quando podemos mais menos logramos

E tememos o mundo em que habitamos

Sem rumo, sem futuro, por cega estrada!

 

Somos nós a grande Humanidade

Filhos dos deuses, até, há quem o diga

Forçados pelos “sábios”, como o “saber” obriga

 Mil mentiras aceitar como verdade!

 

Assim chegamos a esta iniquidade

À fome, à mentira, à selva humana

Onde o Dinheiro nos prende e nos engana

Nos cárceres  infaustos da sua vanidade

 

Aqui estamos sem saber a nossa via

Se o nosso amanhã existe ou não

Vendo à nossa volta, crime e podridão

E o mundo a desabar dia após dia

 

Só que entre o dinheiro nada prospera

Como sobre escalvada e dura rocha

Onde nada viceja ou desabrocha

Haja ou não calmo estio e primavera

 

Mas se Tecnologia não atina e desespera

Sobre o ponto cimeiro a que subiu

E em vez de se expandir se contraiu

Até que tenha o Bem p’ra que nascera

 

Se não fabrica, não se expande e se detém

Porque não lho permite um mundo errado

Onde entre leis cegas de Mercado

Nada pode obter quem nada tem

 

No mundo do Dinheiro não há saída

Nem forma de escapar a tal algoz

                                                           A Tecnologia transmuda-se, é feroz

Porque a sua missão está invertida

 

 Parada e distorcida, impede o Bem

Por não poder expandir a produção

E o Dinheiro “real abstracção”

A torna como ao mundo em seu refém

 

Mas se dentro do Dinheiro é impedida

De libertar o Homem em sua acção

Ela é fora do Dinheiro libertação

Mas dentro do Dinheiro se opõe à Vida

 

Saibamos libertar a Vida humana

E a própria Terra-mãe que o ser nos deu

Saibamos que o Trabalho já morreu

E dos abstractos Céus valor não mana

 

Se temos mente valida e soberana

Fujamos mais ao grito do que à mente

Quando há mais fartura à nossa frente

Porque morre o mundo à fome, ó Terra insana!

 

Leonel Santos

Lisboa, Julho 2013