LIBERTAÇÃO VERSUS DINHEIRO



LIBERTAÇÃO VERSUS DINHEIRO
«Aqui mando eu o deus-dinheiro
Deixai a beatice e a vaidade
E sou ainda aqui o derradeiro
O bárbaro e vil deus da Humanidade
E o fetiche também do mundo inteiro
Onde o Homem atrás duma miragem
Se arrasta até perder a própria imagem»

É assim o dinheiro…aqui na Terra
Nunca o Homem será alforriado
Ele é que mede a paz e mede a guerra
E o valor de tudo em todo o lado
Que pesa o valor que um morto encerra
E o valor dum vivo no Mercado
E mais nada lhe importa que o valor
Que pôs o mundo inteiro ao seu dispor

A Humanidade nele é simplesmente
Um produto de pura mercancia
Uma pedra, um animal, a própria gente
É ele quem os mede e avalia
E quanto à sua lei não é diferente
O Homem de qualquer mercadoria
E chegado o maquinismo à produção
O modo lhe mudou, que o mal não

Presumiu o Homem que o mudava
Mas bem se enganou no que previa
A velha escravidão continuava
A antiga miséria prosseguia
Apenas só na forma se alterava
No meio de tanta e tal maquinaria
O dinheiro é escravatura, guerra e fome
Dispersas pelo mundo em nosso nome

Aqui por dinheiro tudo é regido
Inda que nada preste e nada valha
Mas é sempre o deus obedecido
O que tudo mede e tudo talha…
Que lhe importa o bem ou mal nutrido
Aquele que trabalha ou não trabalha
E onde há morte ou vida, guerra ou paz
Lá está ele à frente ou está atrás

Símbolo da moderna e velha escravatura
Ele é o escravizador que foi outrora
Só mudou o nome e a figura
 Conforme lhe foi preciso agora
Se não lhe interessa o valor que anda à procura
Joga a mercadoria porta fora…
Hoje mais que escravo, escravo ser
É querer ser escravo e não poder!*

Soa que a tecnologia pretendia
Libertar nosso corpo e nossa mente
Mas jamais qualquer tecnologia
O esforço aliviou à escrava gente
Porque o dinheiro sempre aparecia
Contra a emancipação radicalmente
Nunca a libertação cá será vista
Enquanto o dinheiro por cá exista!

Tão irracional e triste é nossa via
Que o dinheiro, se falasse, ia dizer
Que o que o Homem faz p’ra ter valia
Depende do fetiche do seu ser!
Escravos do trabalho se o havia
Escravos da fome sem o ter…
No mundo do dinheiro a nossa espécie
Se o não erradicar desaparece!   

*o Homem que procura trabalho e não o encontra.
Leonel Santos, Janeiro de 2013

PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO



PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO a)

Eu não sou o raio do deus Tonante*
Que sob o Etna pôs o vil Tifeu*
Não sou deus algum, nem sou gigante
Mas acima de mim ninguém cresceu
Sou o Homem sapiens, que vos garante
E demonstra ao dinheiro que nada é seu
E que tal peste que um dia concebemos
Antes que ela nos mate a mataremos

Na sociedade fetichista do valor
Quem cria o valor, valor não tem
Sendo o Homem o exclusivo criador
De todo o valor…jamais alguém
Se poderá dizer seu produtor
Se filho não for de humana mãe…
Dirão que a tecnologia tudo faz
Mas de fazer valor não é capaz!

O dinheiro nos escraviza e nos reduz
É «abstracção real»*, fetiche e fé
 Que absurdamente nos conduz
E não deixa o Homem ser quem é
Pois lhe usurpa o valor e não produz
Nem nunca produziu um avo até
Dinheiro produz dinheiro e nada mais
Se há outras concepções não são reais

Sabemos que o dinheiro nos pareceu
Em datas de forçosa produção
Eterno rei do mundo onde nasceu
Mas o Homem apurando a profissão
Fez a Tecnologia e concebeu
Poder com ela achar libertação
Mas logo o dinheiro viu que assim podia
Continuar fazendo o que fazia

Nunca com o dinheiro, sagrado nume
Libertar-nos-emos na verdade
Sem que essa «abstracção real» se esfume
Nas entranhas duma nova sociedade
Onde tecnologia de sonoro volume
Possa bradar a toda a humanidade:
Eu a mando do dinheiro apenas posso
Fazer em vez do Bem o Mal vosso

Para a tecnologia ser diferente
Tem de ser do dinheiro erradicada
Para poder abrir à escrava gente
O progresso da sua mão velada
Que no mundo do dinheiro opostamente
Será da espécie humana vera espada
Onde morte e vida são iguais
Só o dinheiro nos diz quem vale mais

Ó mísera Humanidade, ó mísera gente!
Que andais a fazer há tantos anos?
Se não vedes o abismo à vossa frente
O caos agravando infaustos danos!
P’ra que serve afinal a sábia mente
De que dotados somos nós humanos
Se quando há mais meios ao nosso alcance
Mais fazemos que a funesta fome avance!

Libertado o Homem à produção
A máquina é agora o produtor
Dum mercado amorfo e sem valoração
Dentro do dinheiro que é seu feitor…
Só fora do dinheiro e sua nefasta acção
O Homem será Homem em seu esplendor
Enquanto na forma do dinheiro cresce
O sinistro fim da nossa espécie!

a)Se há nova forma de produção
 tem de haver nova forma de distribuição.
*Deus Tonante: Júpiter
*Tifeu: Um dos titãs
*Abstracção real: O dinheiro
Leonel Santos
Lisboa, Janeiro 2013

Sarifício




O SACRIFÍCIO

(Ironia)
Tanto eu tenho chorado
Pelos nossos governantes
Já que tanto têm lutado
Para bem dos semelhantes



Que sina negra e atroz
Que vida tão desgraçada
Passa esta gente coitada
A lutar por todos nós
Comove-me a sua voz
Vivo triste amargurado
Que maldito e negro fado
As lágrimas correm-me em fio
Como as águas dum rio
Tanto eu tenho chorado

Infelizes, coitadinhos
Como ninguém imagina
A sua maldita sina
Está cravada de espinhos
Passam anos inteirinhos
Em debates suplicantes
E choram muitos instantes
Com pena do pobre povo
Por isso eu me comovo
Pelos nossos governantes

Nunca roubaram um tostão
É gente de confiança
E a Justiça logo avança
De olhos na corrupção
Ai de algum que deite a mão
A um tostão do Estado
Passa a vida encarcerado
Nas masmorras da prisão
São defensores da razão
Já que quem tanto têm lutado

Todos querem nosso bem
Na falácia ali travada
Choram as pedras da calçada
Com os debates que eles tem
Nunca assim sofreu ninguém
Angústias tão lancinantes
Não são homens, são gigantes
 São figuras imortais
Feitas de valores morais
Para bem dos semelhantes.



Leonel Santos
Lisboa, fevereiro2013