O BARCO À
DERIVA
Vide a
Terra girar continuamente
No mundo
tudo gira sem parança
O homem
que hoje vemos foi criança
O fraco, o
forte, o verme, a gente
A ninguém
a Natureza lhe consente
Que viva
ou exista sem mudança
Vemos
sacudindo a loira trança
A jovem
que amanhã será mulher
Vemos o
seu cabelo encanecer
Até mais
não ser do que lembrança
E a pedra
que julgamos sem mudança
Não para de mudar, de se mover
Aqui entre
as regras naturais
Tudo se
transforma, tudo muda
A rocha
ora coberta ora desnuda
Por ondas
enraivadas e brutais…
E o teu
rumo, se, o não mudas doido arrais
Nunca
achará refúgio nem ajuda!
Se não
invertes a tua cega rota
Ó velho
barqueiro de águas fatais
Não tens
nem terás futuro jamais
Não copies, todavia, toma nota,
A Natureza
abruta, acerba, ignota…
Usa de
Humanas regras sociais!
Se queres
deixar a vida à tua espécie
Foge do
mar bravio onde navegas
Deixa de
navegar assim às cegas
Que a tua
Vida assim não permanece
Pois nunca
a Natureza reconhece
A mente
que te deu e tu renegas!
Se no mundo
tudo foi e é mutável
Em mudança
perene e permanente
E a
cósmica Lei só te consente
Que sigas
sua rota inapelável
Se mudar o
Todo é impensável
Muda o teu
Sistema e sê diferente
Deu-te a
Natureza engenho e mente
E pôs-te
na mão salvo-conduto
Contra a sua
mudança em gesto bruto
Que em
todo o seu Todo tem presente…
Muda as
tuas Leis, mas sê prudente
Não copies
as Leis do seu estatuto!
Cabe-nos
ter a Lei que carecemos
Mas se as
leis naturais plagiamos
A
humanistas leis nunca chegamos
Só
amalgamados logros obtemos…
O Bem da
Natureza que irmanemos
É se
cuidando de nós dela cuidamos!
Até hoje Fado
igual e cego usamos
Na bruteza
natural e na humana
Insensata
usança nos engana
Porque
erroneamente combinamos
A dissociativa
lei que nós criamos
Com essa força
bruta e soberana
Lei da
Vida que nos falta descrever
Por menos
ser da Vida que da Morte
Vida sem futuro, sem rumo ou norte
Que a
contingência se propôs reger…
Feita
nunca foi p’ra se escrever
Só nos
resta chamar-lhe acaso e sorte!
A esquerda
e a direita espreita a presa
Como duma
brenha a ave de rapina
Soluções
todas têm ali à esquina
Para
eliminar de vez a vil pobreza
Como em
qualquer selva a Natureza
Tem a sua
natural «disciplina»
O produtor
excedente à produção
É um
alforriado convencionalmente
É um ser
liberto e preso sempre
No seio da
moderna escravidão…
Tem sempre
da miséria o mor quinhão
Faminto no
passado e no presente!
Perpétuo
absurdo, incongruência lerda
Onde tudo
se esfuma e se invalida
Ser
racional aqui é contra a Vida
O crime é
rei, a fome se herda…
Há gritos
ovantes da direita à esquerda
E vão-se
fechando as portas de saída
A Ciência
segue a sombra do Dinheiro
Sugado ao
esforço humano em tempo ido
Surgiu
p’ra nos valer como é sabido
Mas nada
tem valido ao mundo inteiro
É antes o
sinistro, o último coveiro
Dum mundo
louco, medroso, apodrecido!
O
deus-Dinheiro, calmo e calado
Aproveita na
chamada “crise”, a caridade
Para
extorquir por aí mais à vontade
Por suposto sofrimento angustiado…
E tirando a parte mor do que lhe é dado
Vai esfolando a mísera Humanidade!
Este
barqueiro, este barco meu
Não cruza
o salso mar que a Terra banha
É uma «abstracção
real» e estranha
Onde a
Humanidade se perdeu
Um deus
com outro nome e não o seu
Onde a
Vida se perde e não se ganha
Chama-se
Dinheiro tem este nome
De quem o
inventou não há saber
O suposto
valor que dizem ter
Deve-se ao
esforço e mão do Homem
E quando
este para logo some
Por não
ter a mão que o faz valer
Parasitou
o Homem enquanto pôde
Até que o
anulou tal se previa
Sugou
tanto mais quanto podia
Sem que
nada disso o incomode…
É um deus
como os mais que não acode
A ninguém
cuja mente o fantasia!
Presos de
demente e vil cegueira
Como
cavalo em cega e vã corrida
Um corre
para achar um grão de vida
Outro
porque quer a Terra inteira
Não existe
freio nesta estrumeira
Dum mundo
alienado e suicida!
Se auto-destruirmo-nos
é nossa Glória
Pergunto
porquê, porque nascemos
Para menos
ter quando mais temos?
Brilhante
é o fim da nossa História!
Deixarmos
às areias o campo da Vitória
Às areias
o dinheiro por quem morremos!
LEONEL
SANTOS
Lisboa,
Junho de 2014