EU CANTO A UTOPIA I



EU CANTO A UTOPIA I

Ó miserável, ó desprezível Humanidade!
Sabes tu, acaso, para onde caminhas?
Tu que sempre fugistes do caminho da Verdade
Que sempre distinguiste, dizes tu, “ervas daninhas”…
Mas que jamais vistes ou pensastes na Realidade
E andas perdida, como Progne, entre as andorinhas

Ah! Como eu imagino, triste e cruel o teu Futuro
Se Futuro tens, que o não presumo…
O teu caminho é finito, amargo e duro
Porque firmas teus pés em ilusões e fumo
Como uma ave nocturna que vive no escuro…
Mas a essa…Deu-lhe a Mãe-Natureza firme rumo!

Tu chegaste, já, ao fim da escabrosa estrada
Por onde caminhaste amargurada, cega e louca
Pensando avançar sempre em cada passada
Mas a tua avançada não foi muita nem pouca
Os teus passos fictícios perderam-se no Nada
E hoje és a Decadência duma caterva amouca

Ó caricata espécie, sofredora e louca gente
Indaga da Verdade, que o engano apenas viste!
Porque, ó mísera Humanidade, não podes seguir em frente
Por este caminho cego, amargo e triste!
A Verdade é mãe de todas as Virtudes…Infelizmente
Nunca por cá existiu nem hoje existe!

Tu segues, ó mísera espécie, de olhos vendados
Para o Abismo ou o açougue, como inocente cordeiro…
Tu és pedra desprendida de montes alcantilados
Tu és barco que navega sem leme e sem barqueiro
És legião de loucos a correr alienados
Atrás duma vanidade a que chamais Dinheiro!



Na austera Antiguidade te abrigaste em cavernas
A fúria  enfrentaste dos ventos e das feras inimigas
E hoje no seio da “abundância” das Técnicas modernas
Segues sem casa, e sem pão, como nas eras antigas
E a fome prossegue roubando-te a força às fracas pernas
Porque razão… infeliz Humanidade? Quero que me digas!

A Vida aqui, a tua Vida, tem de ser sempre comprada
Só a besta, insensatamente, se conduz por regras naturais
E chamais a isto Progresso, Futuro, e Vida civilizada
Quando tens Menos se há menos e, tens Menos se há mais!
Tens que inventastes o Tudo, quando inventastes o Nada
Vê que os teus pés te conduzem aos fundos abissais!

A fome ataca-te hoje, como lobo faminto, no seio da invernia
E os abutres planam sobre as cidades e os montes
Eis a era plena e “abundante” da nova tecnologia…
E tu, pobre Humanidade, não vês milhões de Lacoontes
Erguerem-se insaciáveis ante a tua insanável miopia
Porque a tua Utopia nunca teve horizontes!

Inventastes o Dinheiro, esse cego deus dum mundo insano
Que te escraviza, te anula, indiferentemente
Esse dissociador activo, esse doce amargo engano
Que a tua exterminação contém no ventre…
“Real abstracção” dum mundo tenebroso e inumano
Com a Inteligência atrás e a Astúcia à frente!

A grande Mãe-Natureza, que é nosso Pai também
Te dotou, mísera Humanidade, de grandeza inteligente
Mas dos caminhos bons e maus que Ela contém
Tu escolheste o Pior, por te ser o mais conveniente
Tu fugiste do caminho da Verdade e do Bem
E hoje continuas Prometeu, encadeado e impotente!


LEONEL SANTOS
Lisboa, Janeiro 2015

A ECONOMIA DA MORTE II

A ECONOMIA DA MORTE II

Rumo ao inabitável futuro da Terra-mãe
Às levadas, aos tufões, ao tornado imprevidente
Ao ar envenenado com o carvão que vem
De milhões de carros a rodar continuamente
Sem que um louco sequer…sem que ninguém
Nos grite que esse ar contamina e mata a gente
 Que destrói a Natureza, que aniquila a Vida
Que sem ela, não pode ser mantida

Que loucura é esta, pergunto aos meus iguais
Este ar de insanidade e sangria colectiva
Onde a nossa Espécie parece às vezes mais
Procurar a Morte do que querer-se viva!
Diz-me ó Humanidade para onde vais
Se não queres mesmo mudar de alternativa
E antes tombar nos braços do eterno Sono
Atulhada em carros, afoada em carbono!

Voam pelos céus azuis modernos aviões
Na terra, explodindo, vão centrais nucleares
Sobem no espaço milhentos foguetões
Eleva-se incontrolável o nível dos mares
Mas o Homem esquece que tem brônquios e pulmões
Enquanto vão derretendo as calotes polares…
Deixar de vender carros e petróleo, isso é que não
 Seria um grande “retrocesso” da nossa “Evolução”!

Nas águas inquinadas, morrem peixes, vai-se a Vida
Mas ela lá prossegue a caminho do mar
Onde de muitos lugares já a Vida foi banida
E nos verdes campos onde o gado anda a pastar
Há carbono, há adubos, na erva que é comida
Donde vem leite e carne para nos alimentar…
Mas os inocentes carros não culpem por favor
Nem as sagradas empresas do cancro matador!

No Mercado já sabemos, ninguém rouba ou falsifica
Noventa e nove e nove, eis o preço exacto
Contas são contas, nem um avo sai ou fica
Nada passa pelo crivo dum preçário ao desbarato
Quem compra um par de botas, logo se habilita
A um carro de luxo, vinte vezes mais barato
Eis o fiel Mercado moralmente a funcionar
Em prol dum novo mundo, moderno, exemplar

Como chegamos nós a esta maravilha?
Dum “sistema de Valor generoso e progressista”
Aqui não se engana, não se altera, não se pilha
Rumo ao abismo que temos bem à vista
Gere-o a corrupção que é mãe e filha
Deste Sistema férreo enquanto exista…
O Dinheiro é hoje um sonho louco e de criança
E de terror e medo na cabeça de quem pensa!

Mas quem imagina ainda que dentro do Dinheiro
E da dissociação guerreira do Mercado
Pode achar no desespero terminal dum atoleiro
O futuro do Homem que nunca foi criado
Quando a inteligência jamais no mundo inteiro
A preferência teve ou a Justiça do seu lado…
À nossa volta ruge a Guerra como outrora
E o Homem que escravo foi, é escravo agora!

Mil vezes já rolamos a Pedra da Morte
Como Sísifo em vão a rolou também…
A ECONOMIA DA MORTE não tem diferente sorte
Porque semelhantemente, igual percurso tem
Entre ilusórias Técnicas de acaso e norte…
Prenhes de promessas que nunca mais vêm
Pois também dentro dela não há outra saída
Que fugir do Dinheiro que nos esmaga Vida!

O percurso atinado nunca vai dar ao abismo
Depois de milenar e espinhosa caminhada
Irá sim dar à Paz, ao Futuro, ao Humanismo
Mas se encontra-mos a Guerra, a Morte, o Nada
 Entramos de novo ao seio do barbarismo
E fez-se forçosamente, uma marcha errada…
É esta a bandeira áurea da nossa glória
Após que aniquilamos o RUMO da História!

Aqui jamais o Homem caminha para a Paz
Nem caminha para a Guerra, é evidente
Aqui nunca se andou, nem anda para trás
Porque em tempo algum se andou p´ra frente
A Paz nasceu feita, está feita e não se faz
E a Guerra no Sistema, não para, é permanente
 Eis o caminho derradeiro da espécie Humana
Se alguém assim não pensa bem se engana

Inventamos o Trabalho e a Escravatura
 Do nosso irmão, nosso sangue, nossa espécie
E separou-se para sempre o Valor da criatura
Que passou ao produto daquele que o fornece
E não reside jamais na Humana figura…
Só uma “abstracção real”se reconhece
Com o nome de Dinheiro em todo o lado
Que é o deus do Homem e do Mercado!

Eis aqui o sapiente “Animal Vertical”*
“O rei supremo dos outros animais”
Que do mundo se imagina o númen imortal
E hoje olha impotente, as trevas abissais
Encadeado no Dinheiro como outro animal
Que em armadilha preso não pode sair mais…
Porque o Dinheiro criado aboliu sua defesa
E hoje só fugir-lhe pode, ou ser a sua Presa!

*Historiador e crítico franc. 1901-65

LEONEL SANTOS

Lisboa, Novembro 2014

A ECONOMIA DA MORTE



A ECONOMIA DA MORTE

Ó sábios eloquentes mais que todos
Libertos de sombras e quimeras
Que o mundo estudastes de mil modos
Do fundo dos mares à ordem das esferas
Que de tudo haveis saber a rodos
Dos modernos tempos e das velhas eras…
Para onde caminhamos me dizei
Que eu só vejo o abismo e mais não sei!

Porque chegou o Homem a tal estado
Onde o ar que nos cerca nos condena
A ingerir carbono envenenado
E o Mercado que de nós tem grande pena
Cada vez vende mais falsificado…
E a carteira mais vazia e mais pequena
Nos força a estender a mão à Morte
Que é a porta que nos abre a nossa Sorte

O trabalho morreu e o Valor
Igualmente morreu não volta mais
E o dinheiro que é o deus nosso senhor
Da mísera existência dos mortais
Esgotou o seu papel usurpador
De senhor dos esforços laborais
E cada vez mais e mais será
A Morte que sempre andou por cá

Como cavalo que cega na corrida
O Homem corre atrás desta miragem
Onde a Morte tanto vale quanto a Vida
Só depende do preço ou da vantagem
Num Mercado onde o lucro é a medida
Ah! Se não inverte o Homem uma viragem…
Dentro do Dinheiro só tem a Morte
E por fim não haverá Fraco nem Forte

Com o fim do trabalho e do Valor
Abriram-se à Vida portas e janelas
E essa mísera nudez vei-nos dispor
Uma clara visão através delas
Todos do grão Dinheiro são a favor
Com a esquerda a ter as leis mais belas
 Colando os velhos cacos do capitalismo
A quem dantes chamava o negro abismo!

Mas deixemos o mostrengo dos partidos
E olhemos o monstro mais de frente
O deus de todos os bem e mal nutridos
O Dinheiro que compra a vida e mata agente
A «JAULA DE FERRO» onde estamos metidos
E como Prometeu agrilhoados sempre…
Em nome dum bem que não existe
Não há nem pode haver algo mais triste!

Fomos ensaiados para caminhar
Rumo a um futuro de falso Bem
E andamos há milénios a esperar
Por esse dito futuro que jamais vem
E bem louco está alguém que imaginar
  Que a selva do Dinheiro futuro tem
Aqui não há Futuro, há Fome, Morte e Guerra
Só o futuro inabitável da mãe-Terra

Hoje não são os bispos, os padres, os profetas
Quem nos promete do Éden o doce encanto
São os sábios, os doutores, a cujas metas
Nunca a astuta Igreja desceu tanto
A não ser nas longas trevas abjectas
Das fogueiras do seu Ofício Santo
Pois agora só nos média dá sermão
A ver se lhe aparece um deus barão

Que mundo é este em que eu e vós vivemos
Somos, é verdade, Humanos racionais
Mas que importa isso se nada valemos
Se o Valor está no Dinheiro em nós jamais
Temos Tecnologia quanta queremos
Mas a miséria é sempre de proporções iguais
De que nos vale a tão sábia e lesta Tecnologia
Quando assentamos os pés sobre a Utopia

Meditemos no Dinheiro, na Vida que piora
Arranquemos da mente um pensar profundo
Vede que a Fome e a Guerra nos devora
A todas as horas por todo o largo Mundo
E dentro do Dinheiro a Vida se evapora
Num sonho cada vez mais moribundo…
Nada pode haver mais triste e surreal
Do que sermos nós, de nós, o maior Mal!

LEONEL SANTOS
LISBOA, OUTUBRO 2014

O LABIRINTO



O LABIRINTO
                                            
Este não é de Creta o Labirinto antigo
Onde a bela Ariadne à paixão rendida
Liou para Teseu o fio apetecido
Que o guiou triunfal à porta querida
Lá da babel escura…donde perdido
Ninguém dantes voltara à doce Vida

O nosso labirinto perverso e derradeiro
É corda que apertamos a cada momento
À volta do pescoço e chama-se Dinheiro
Enquanto heróis loucos falam de advento
Duma nova Era d’Oiro no orbe inteiro
E tudo vai ruindo de apodrecimento

Aqui não há Teseus, há só um deus cruento
Chama-se o deus-Dinheiro simplesmente
Nenhum fio o conduz ao valimento
Do Homem que o fez, da mísera gente
Que só vale o que tem…Por fingimento
Concede-se lhe um valor, mas aparente!

Ó mísera Humanidade, ó mísera espécie!
Porque segues do abismo o extremo rumo
E não a forma justa onde a Vida cresce
Tu és o mundo do medo, da fome e do fumo
A Decadência! Que entre o Dinheiro só prevalece
A Morte e a Ilusão… que bem presumo!

A Tecnologia ao serviço do Dinheiro
Projectou o Homem da produção p’ra fora
Quando ele, e só ele, no mundo inteiro
É, através da produção quem o Valora…
Mas que nunca ante o Valor esteve primeiro
 Dir-me-ão os sábios, o que vale agora!?


Fora da produção quem compra no Mercado
Se o homem sem produzir Dinheiro não tem
E a máquina que tudo faz acelerado
Nada compra e nada vende p’ra ninguém
Morreu-se à fome num mundo inacabado
E no Moderno à fome se morre também

Que é isso de «Progresso e de Civilização»?
Se no mundo artesanal a fome grassa
E na Modernidade de igual condição
De ultra-secular miséria não se passa
Onde está o Futuro se a nossa condição
Passou de velha Tragédia a Moderna farsa

Erga-se ao Dinheiro uma enorme catedral
Mais que todas as outras, bela e celebrada
A construção maior do sacro capital
Que o Colosso de Rodes mais ousada
Como é «digno dum mundo racional»
A morrer de fome na Terra envenenada!

Eis o nosso caminho, a nossa glória
Na senda do Dinheiro outra não há
Ergue-mos famintos a nossa «nobre» História
Eis a recompensa que ela nos dá
Só para a dita esquerda, privada de memória
Como a Fénix, o Valor renascerá!

Escravos do Dinheiro, míseros mortais
Cegos ou loucos, não sei o que vos guia
Viveis do Absurdo e não pensais
Que a Inteligência nunca teve alforria
Foi sempre a astúcia e o Dinheiro quem mandou mais
Mas todo o Absurdo definha e morre um dia!

Leonel Santos
Lisboa, Setembro, 2014