A DECADÊNCIA DO SISTEMA DO VALOR(I)


A DECADÊNCIA DO SISTEMA DO VALOR(I)


Eu não canto os heróis nem os varões
Nem os ilustres feitos dos antigos
Nem ignotos mares nem expedições
Nem a barbárie de povos inimigos
De outros tempos e outras gerações . . .
Eu canto actuais e estranhos perigos
Do nosso viver «civilizado»
Tão sábio quanto vão e desgraçado !


Eu canto os temores, o grito ingente
A angústia, o desespero, a desventura
Um mundo que procura incoerente
O Bem que não tem…mas o procura
No mesmo Sistema decadente
Onde a Ilusão se afunda e jura
Que só ela manda, mais ninguém
No mundo do Valor com as leis que tem


Agora quando o mundo abastecido
De engenhos de trabalho bem podia
Fruir do bem-estar apetecido
Que a Humanidade há tanto merecia
O Sistema vagueia mais perdido
Na bruma que na luz que o alumia
Porque a máquina faz mas não valida
Eis dum Sistema escravo as leis da Vida


Se sempre com a besta partilhamos
O mesmo espaço vão e oneroso
E em cavernas juntos encontramos
Nos tempos primeiros algum reposo
Que nos distingue agora que arengamos
A «Civilização» com ar pomposo ?
Se ser civilizado é este engano
Antes besta ser que ser humano!


Nós os racionais me digam vós
Quantos corcéis na guerra aniquilamos?
E se a besta nunca fomos nós
Fomos nós que a vida lhe roubamos
(A eles que a paz amavam sós
Nos campos comendo os verdes ramos)
Em prol dessa Paz que a gente jura
Que andava como ainda anda à procura


Olhar distante e calmo, conformado
Lembrai os mansos bois virando a leira
Gigantes, cuja ajuda no passado
Nos foi dada em silêncio a vida inteira
E o nosso esforço fez menos pesado
E mais leve também nossa canseira
Visto que a Natureza indiferente
Da mesma forma trata besta e gente


Ninguém por certo aspira o tempo antigo
De alfaias grosseiras e pesadas
De cortar à mão campos de trigo
Ou trabalhar a pedra a marteladas
Enquanto a Natureza vo-lo digo
Jamais usou de leis humanizadas
Antes semeia e espalha sem excepções
Doença e morte por todas as nações


Quem não sentiu já tremer o Globo
Que nos parece tão firme e tão potente
Ou não viu borbulhar lagos de fogo
Onde o metal se fez água fervente
Forças da Natureza …a cujo jogo
Não se pode opôr nenhum vivente
Porque esta nossa mãe (se é mãe) também
Madrasta mais severa é que ninguém


Se nos rega o pão que reverdece
A Natureza é mãe exemplar
Mas mãe já não é quando enfurece
E nos leva família, pão e lar…
Tão depressa o bem nos oferece
.Como o mal põe em seu lugar
Porque na Natureza mal e bem
São preocupações que ela não tem


Após o caos dos tempos primitivos
Quando o Homem a Terra povoou
Viu tirânicos deuses punitivos
Com gládios de fogo…se constou
Vulcões, raios e ventos destrutivos…
No Sol, ingente, um deus imaginou
Cuja luz fitar ninguém podia
Quem sabe se a Medusa não seria!


Mas ainda nos seres inanimados
Viu dragões e hidras colossais
E outros monstros mais, alguns alados
Feitos de visões irracionais
Até ali jamais imaginados
Por quaisquer sistemas naturais…
Distorcendo a Natureza e visto está
Tornando-a bem pior do que era já


Mas no seu roteiro irracional
Nunca o Homem parou de forjar mitos
Nem fetiches irmãos do mesmo mal…
Cornos, cruzes, bentinhos favoritos
Missangas que no peito dum mortal
Se, diz que dão sorte e são bonitos
E assim a Vida ruma p’ro abismo
Pela via mais curta: o Fetichismo


De tal forma teceu o ser humano
A feitura de míticas figuras
Que fez na Natureza tanto dano
Que as bestas, mais que nós, estão seguras
Seguindo sua rota sem engano
Ao invés de humanas criaturas
Embora os doutores, que padres não
Nos prometam paraísos no sermão


Olhai o dinheiro Fetiche-mor:
Enquanto o pai Trabalho teve vida
Sempre lhe cedeu aquele Valor
Com que a sua ilusão era mantida
Mas engenhos de trabalho superior
Anularam p’ra sempre essa medida
Prontos a servirnos com vantagem
Impede-nos porém essa miragem


Nesta nossa malquista caminhada
Entre o mundo ilusório e o real
Temos noite não temos madrugada
Vivemos o princípio e o final
Somos senhores do Todo, reis do nada
Com nada ou quase nada racional
E o futuro? Que futuro podemos ter?
Quando a ilusão é Vida sem o ser!


Postos entre o Homem e entre o cão
A carne e o dinheiro…podemos ver
Que o cão come a carne o homem não
Gurdará o dinheiro sem a comer
Eis a nossa interessante progressão
E absurda forma de viver
Esqueçam o comer, morram de fome
Sem o fetiche-dinheiro ninguém mais come


Lisboa, Outubro 2011

LEONEL SANTOS

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