Rumo à tragédia

RUMO À TRAGÉDIA I

Para onde rumas tu ó barco insano
Entre Caríbdis e Cila, n’áspera coroa
De vagas irosas dum monstro soberano
Que avança e recua… sobe e desce à toa…
Tu, casca de noz, hábil tirano
Que mal aos abismos desce e já nos cimos voa
Que insano barco és tu, quem te governa?
Tu vogas ao acaso e estilo antigo
Pendente de aventuras e, eterna
Imaginas tua rota em tanto perigo
Mil monstros tivesse o lago Lerna
E maior seria sempre o teu castigo
Há quantos séculos tu, barco sem rumo
Confuso te agitas nas águas turbulentas
Que navegar não é, se bem presumo
Expor-se sem justeza a tais tormentas
O Paraíso que prometes todo é fumo
O fumo negro, que tu próprio inventas
A tua salsa rota, longa e dura
Feita de tormenta e dor dos mareantes
O vento que te assola, a noite escura
Cada dia com fúria mais que dantes
E tu, mudes ou não nome e postura
Serás sempre galé de fins mercantes
Na visão de Midas inspirado
Riquezas de Pluto, Édens risonhos
Serás sempre um barco condenado
A quadros tão horríveis quão medonhos
Tu, barco infeliz, que vens ousado
Prometer-nos ainda um mar de sonhos
Será sempre o abismo o teu futuro
Cantem hoje ou não novas sereias
Teu bramir em vão no meio do escuro
Não oculta o rumo livre das ideias
Teu tormentoso cabo é bem mais duro
Que o raivoso mar por onde ondeias
Tu que segues sem descanso o teu roteiro
Por ousados parcéis, fojos temidos
E te conduz um deus, o deus-Dinheiro
Sem braços nem pernas, sem olhos nem ouvidos
Que antes que todos nós está primeiro
E a todos nos torna divididos
No Sistema Dissociativo do Valor
Tu és o timoneiro que avalia
A pedra, a besta, a gente, aquilo que for
E nos converte em vã mercadoria
Sendo o Mercado o grande executor
Da tua  cega epopeia de utopia
O Sistema do valor dissociativo
Com a competição consequente
Reforça a dissociação no seu activo
E  mais nos amarga a vida socialmente
E tu barco tão funesto quão nocivo
Em vão tentas impor-te ao mar ingente
 Sem trabalho e produção não há Dinheiro
E sem o dinheiro Mercado não há
Porque a máquina agora está primeiro
E o Homem produtor não produz já
Sabendo-se que o Valor, se verdadeiro
Apenas, o trabalho humano no-lo dá
Pois então deixemos o navio por cá
A apodrecer aí n’algum recanto
Porque o Homem sem dinheiro não comprará
Quando o seu engenho produz tanto
Que o dinheiro-deus não chega já…
O único remédio, é fazer portanto,
Um barco diferente… ou se afundará!
Leonel Santos
Abril, 2012

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