OS ESCRAVOS DO DINHEIRO I


OS ESCRAVOS DO DINHEIRO I

Eu sou tudo e não sou nada … sou a Morte!
A Paz e a Guerra, igual mister
Láquises com Fortuna, bens e sorte
Átropos quando lucros mais tiver
Meu reino vai de Sul a Norte
De Ocidente a Oriente o meu Poder

Não fui eu que me fiz, alguém me fez
Logo do meu existir não sou culpado
Sou um deus somente, fizeram-me vocês
Como a todos os deuses do passado
De cegueira não me culpem, nem surdez
Nem eu posso mudar meu próprio Fado

Sou um deus derradeiro e condenado
A condenar também os mais viventes
Não olho culpado ou não culpado
Os interesses meus são bem diferentes
E cada dia mais cavo um bocado
Para abrir a cova aos mais valentes

Atribuem-me valor mas nada valho
Ante qualquer factor da Natureza
Tirei valor em tempos do trabalho
Enquanto fiz do Homem a minha presa
Mas hoje já não passo dum espantalho
Que aterra a espécie humana, ultraja e lesa

Sou uma abstracção complicada
Porque ando aí por entre a gente
«Real abstracção»…trago enganada
A Humanidade assim mais facilmente
E faço que ela viva separada
Em sociedade sim, mas aparente

Dão-me o brilho da Luz, ofereço a Treva
O valor do Todo e sou o Nada
Sou o fumo dum sonho que se eleva
Duma empresa qualquer imaginada…
E sou ainda a morte que vos leva
De forma cada vez mais apressada

Nem eu jamais aceito o vão conceito
Dum altruísmo qualquer ou de amizade
Tudo isso se opõe ao meu proveito
Como abstracta e vã banalidade
Eu sou do Mercado o braço d’reito
A suprema e moderna majestade

Nada me diz, a desventura, a fome
A miséria…indiferença só me traz!
Que me importa a mim o que não come
Se compras não fez… não fez nem faz
A guerra… isso sim, vende e consome
Mas ninguém compra ou vende paz

Banido do Mercado o que é que eu faço
Se mais nada aprendi nem sei fazer
Se não aproveitar o largo espaço
Que o crime legalmente me confere
Livre eu lhe estendo o franco braço
E ele a mim mo dá quando bem quer

Agimos sempre ambos lado alado
É a corrupção nosso estandarte
Vendo, Bem e Mal tudo é Mercado
Desde que eu embolse a minha parte
Nunca produzi valor, está provado
Mas ninguém ganha mais em qualquer arte

Sou eu o deus do mundo onde resido
Faço tudo quanto quero e me apetece…
Só que o meu valor, valor fingido
Quando o Homem no valor não prevalece
Ainda que a máquina produza o que é devido
Veja-se… o meu valor não aparece!

Se o Homem não achar diferente estrada
Para lá do meu garrote suicida
Esperará em vão a madrugada
Duma aurora nunca amanhecida…
Toda a Minha História é crime e nada
A História que nos falta é a da Vida!

Leonel Santos
Lisboa, Julho 2012

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