Do Maniqueísmo (I)


Do Maniqueísmo (I)

Desde tempos que escapam à memória
Os interesses dividiram entre si
Os Humanos que andam por aqui
Escrevendo mal ou bem a sua História
Com mais ignominia que glória
Onde mais gente chora do que ri

E na luta por bens e por riqueza
Que o Homem vai tentando adquirir
Vemos uns descer outros subir
Contra a sua própria natureza
Numa vida composta de crueza
Que o Homem não quer deixar cair

Depois de chegar onde chegamos
Em tecnologia e em saber
De muito matar, muito morrer
Em lutas que nunca abandonamos
Em vez de mais subir mais se enterramos
Quando o contrário devia acontecer

Os sábios nos digam onde vamos
E se isso é saber ou não saber
O que é que andamos a aprender
Para depois de saber, saber que erramos
Quando é do Saber que nós saibamos
Que todo o bem-estar tem de nascer

Aqui onde somos projectados
Uns contra os outros de mil jeitos
Uns porque roubam e têm defeitos
Outros que não roubam e são roubados
Contestamos e somos contestados
Por causas que se escondem com efeitos

A morte do Trabalho e do Valor
Exige-nos, porém, nova linguagem
Novo pensamento e nova imagem
Diferentes do tempo anterior
E porque a vida exige mais rigor
Impõe-nos passar nova mensagem

A voz que no passado nos legou
Ódio cego, intemperança e desvario
Nada nos deu no tempo que partiu
E nada nos dará no que ficou
Porque o Valor que sempre nos taxou
Em Bons e Ruins nos dividiu

Aqueles que inda hoje em sua mente
Se têm por cordeiros imaculados
E tomam por lobos disfarçados
Quantos aqui têm pensar diferente
Têm de ver que todos somos gente
No barco do Sistema naufragados

Nem lobos, nem cordeiros, simplesmente
Esta nossa espécie que se tem
Por ser das mais espécies pai e mãe
Não pode prosseguir asnalmente
Neste dualismo inconsciente
Que de míticas eras advém

Foi, aliás na Pérsia certo dia
Que um dito Mani, grave e sombrio
Pensando ver o Mundo, instituiu
Uma obscura e vã filosofia
Que com todos os males que trazia
Pelo globo inteiro se difundiu

Por si a Natureza é dividida
E o Homem também de modo igual
Mani dividiu em Bem e Mal
E em Trevas e Luz a própria Vida
Num dualismo cego e suicida
Que perpetua a luta universal

Eis porque o Sistema nos cindiu
No rico rapace e no roubado
E o nosso viver foi copiado
Daquilo que Mani instituiu
Mas se o nome mudou não impediu
Ter o mal de Mani continuado

Eis exploradores e espoliados
Bons e Maus, Ricos e Mendigos
Tratados como géneros inimigos
E uns contra os outros atiradosPor partidos e seres iluminados
E por ódios modernos e antigos

Sendo o Homem uno, indivisível
Nada nesta farsa faz sentido
Um Sistema do Homem dividido
Só em míticas mentes é possível
E se o Sistema já não é vivível
Então que seja noutro convertido
Leonel Santos
Lisboa, Junho 2010

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