A sociedade das mercadorias

A sociedade das mercadorias


Sabemos que o produto embaratece
Se o tempo de Trabalho menos for
E o Valor da empresa menos cresce…
(«O tempo de trabalho é o Valor») 
Mas aumentado o tempo ele encarece
E não tem o Mercado a seu favor!
Contradição que a máquina apressou
Com o tempo de trabalho que matou

Assim o Valor emperrou já
O fetiche-dinheiro em sua acção
Essa Ilusão que manda cá
Há anos que eu não sei já quantos são
Embora tentando ainda vá
Que o trabalho lhe dê de novo a mão
Mas tudo o que foi já, já nada é
O escravo puxa agora outra galé

Sombra de outra sombra que não mais
Eis um Sistema vago e inseguro
Com suas opções irracionais
No social vão, no trato duro
Agarrado a meios convencionais…
E como abrir aqui mundo futuro
No seio deste enredo inopinado
Onde grita um p’ra cada lado?

Cada dia, cada hora, cada um
Tem de comprar aqui a própria vida
Trocar o que não tem valor nenhum
Para que ela possa ser mantida
Coisa que eu não vejo em lado algum
Nem por besta nenhuma ser seguida!
Aqui, sem dinheiro qualquer vivente
Só poderá viver se não for gente

Eis a celebrada Humanidade
Espécie racional e superior
Que em dissociativa sociedade
«Patriarcal Branca e do Valor»
Entronou a Mentira e da Verdade
Foge a sete pés e tem pavor
Porque tida é desde o passado
Como estorvo das Leis e do Mercado


Em busca dum progresso imaginário
Chegamos ao fim da última via
Onde o dinheiro deus plantetário
A todos nos tornou mercadoria
Mortos ou vivos o destinatário
É da nossa existência a mais-valia
Escravos do dinheiro p’ro obter
Escravos do dinheiro por não o ter

Sistema de soez contradição
Sem escravos emperra, não actua
Porque se não for a produção
Tem de ser o Mercado a função sua
Mas sem a primeira actuação
A segunda também não se efectua
E por fim o mísero escravizado
Não pode trabalhar nem estar parado

No seio do seu mísero vegetar
Do fetiche-dinheiro é dependente
Que importa sim ou não raciocinar
Gafanhoto ser, ou verme ou gente
Num Sistema de pernas para o ar
Onde o bicho aparece à nossa frente
Porque sem dinheiro pode comer
Mas o Homem não… se o não tiver

Não que bicho exista superior
À nossa condição, claro que não
O caso é que um novo predador
Dito do Valor cruel e vão
Chamado deus em tempo anterior
E hoje Dinheiro, quando ambos são
O mesmo artifício desumano
Que ao abismo nos força, ano após ano

Não são hoje os bispos, os padres, os profetas
Quem nos promete do Éden o doce encanto
São os sábios, os doutores e os poetas
Que a Igreja mudou já seu velho canto
E muitas das suas velhas metas
E fogueiras do seu Ofício Santo
E hoje só nos média dá sermão
A ver se lhe aparece um deus barão


Tu sabes tão bem ó padre quanto eu
Que o teu deus do meu não é diferente
Que tu é que és o fariseu
Que me acusa a mim de ser descrente
O teu deus já dos céus desceu
É agora o Dinheiro terrenamente
E com essa santíssima medida
É que tu (e eu) compras a vida

O tempo que dos céus vinha o maná
Há muitos séculos já se esvaeceu
Agora é o Dinheiro quem manda cá
E este é o deus que é teu e meu
Quem o não tiver não comerá
Quer crente seja ou seja ateu
Além de que esse deus dissocial
Veio para nosso deus… e deus final

Quantos não tenham pão ergam aos céus
Famintos as suas mãos vazias
E ouvirão p’ra dor dos gritos seus
O silêncio das noites, solitárias e frias
Só o Dinheiro-fetiche, último deus
Levará com seu fim o fim dos dias
De fome, de miséria e fera guerra
Que todos os deuses deram à Terra

E quantos milhões tiveram acento
Nesta Terra-mãe, nunca sabemos
Que nunca p’ra conta-los houve tempo
Do tempo de vida que vivemos
E cada um nos trouxe mais tormento
Até ao Dinheiro-deus que agora temos
Que após nos escravizar quanto mais pôde
Quer converter em luz seu mundo podre

Aqui luta dura se advinha
Mas nesta dura luta se use a mente
Que não a força bruta, alvar, mesquinha
Que nos deu tão triste e vil presente
Que o maniqueísmo, acerba espinha
Da garganta humana esteja ausente
Se a luta é de titãs, pois sim, que seja
Mas a mente humana acima esteja

Cessem acossamentos a banqueiros
Patrões, empregadores ou empregados
Maniqueísmos cegos e guerreiros
Com que sempre fomos confrontados
Ergam-se pensamentos altaneiros
Para além de exploradores e explorados
Cesse  o dualismo esse falcão
E o “Sistema do Valor Dissociação”

Confiar deve em si a nossa espécie
E causas atacar e não efeitos
Que não é na rama que o mal cresce
Mas na raiz que estão nossos direitos
Mais ninguém é herói, nem se enaltece
Com falsos valores e preconceitos
Só com sábia Razão e com Verdade
Viver poderá a Humanidade

“Matai-vos uns aos outros” disse um dia
Moisés ao povo na base do Sinai
Assim o fetiche-dinheiro, a fantasia
Um dia também matar-nos vai  
Se o Homem não retira tal Harpia
Da cega direcção por onde vai…
Dentro desta “jaula” não há Vida
Buscai, enquanto é tempo, uma saída

Lisboa, Dezembro de 2011-12-21
Leonel Santos

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